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Estresse térmico em bezerras: você está preparado para enfrentar esse desafio?

Proteja suas bezerras do estresse térmico! Entenda como o calor afeta a saúde e desempenho delas, garantindo um manejo eficiente e produtivo.
O estresse térmico é um dos principais obstáculos para alcançar sistemas eficientes na pecuária leiteira e pode ter inúmeros efeitos adversos sobre os animais. Isto todos nós sabemos! Todavia, vale a pergunta: as bezerras sob a sua gestão já apresentaram, em alguma época do ano, quadros de estresse por calor? A resposta provavelmente será: Acredito que sim!

Comparada a vacas leiteiras, a categoria de bezerras é mais resistente ao calor, isso é devido à menor produção de calor metabólico (por serem animais não produtivos) e maior eficiência de dissipação de calor (possuem maior área de superfície corporal em relação à massa corporal). Apesar disto, as bezerras podem sim sofrer estresse térmico, tanto por frio quanto por calor. Por serem consideradas menos propensas ao estresse térmico, essa categoria de animais recebe menos atenção gerencial e científica em comparação com as demais categorias na pecuária leiteira.

Ao contrário das vacas leiteiras, os limites da zona de termoneutralidade para bezerras - faixa de temperatura ambiente em que os animais não precisam gastar energia adicional para regular a temperatura corporal - não estão claramente definidos na literatura (Bakony; Jurkovich, 2020). No entanto, um estudo recente indicou que bezerras da raça Holandesa (0 a 2 meses de idade) começam a demonstrar sinais de desconforto térmico a partir do limiar de 21 ºC (de Castro et al., 2023; Figura 1). Vale ressaltar que no Brasil existe o predomínio das raças Gir e Girolando, porém, pouco se sabe sobre a zona de conforto térmico e os efeitos do estresse por calor para a categoria de bezerras dessas raças leiteiras.

Como muitas regiões do Brasil atingem facilmente valores de temperatura do ar >21 °C ao longo do ano, são necessários cuidados especiais e medidas de manejo para mitigar os efeitos do ambiente térmico. Vale lembrar que as experiências do estresse térmico no início da vida das bezerras leiteiras terão consequência produtiva a longo prazo.
Figura 1. Zona de termoneutralidade para bezerras leiteiras da raça Holandesa.
Zona de termoneutralidade para bezerras leiteiras da raça Holandesa.
Indicadores retirados segundo de Castro et al. (2023).*UR= Umidade relativa do ar.
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Termorregulação em bezerras

Os bovinos são animais homeotérmicos (animais que conseguem manter a temperatura corporal relativamente constante), portanto trocam calor continuamente com o ambiente por meio de mecanismos termorregulatórios (Roland et al., 2016). A termorregulação envolve mecanismos fisiológicos, comportamentais e metabólicos (Herbut et al., 2019). Embora imaturos logo após o nascimento, as bezerras já nascem com mecanismos termorreguladores em funcionamento (Roland et al., 2016) e poderão ativá-los dependendo da intensidade e duração do estresse térmico.

As trocas de calor do animal com o ambiente são realizadas por meio de mecanismos físicos, conhecidos como sensíveis e latentes (Figura 2). Para que haja troca de calor por mecanismos sensíveis – radiação, condução e convecção – é necessário um gradiente de temperatura. Isso significa que, para o animal perder calor para o ambiente, sua temperatura corporal precisa ser maior que a temperatura do ambiente.

Enquanto que a troca de calor por evaporação, um mecanismo latente, depende de fatores como temperatura do ar, umidade relativa (menor taxa de evaporação em ambientes úmidos), velocidade do vento, entre outros (Mota-Rojas et al., 2021; Sammad et al., 2020). Sob altas temperaturas (>26ºC), a evaporação é o principal mecanismo termorregulador dos bovinos, permitindo que bezerras dissipem calor pela evaporação do suor na pele ou pelo sistema respiratório.
Figura 2. Mecanismos de termorregulação de bezerras leiteiras.
Mecanismos de termorregulação de bezerras leiteiras.
1) fatores ambientais que contribuem para o desencadeamento do estresse térmico por calor (radiação solar, temperatura do ar, umidade relativa do ar e velocidade do vento);
2) desencadeamento do estresse térmico por calor;
3) desencadeamento de respostas neuroendócrinas, comportamentais e fisiológicas;
4) troca de calor por convecção;
5) trocas de calor por condução;
6) radiação de ondas curtas refletida na superfície do solo;
7) perda de calor por evaporação pulmonar.
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Impactos comportamentais, fisiológicos e de postura

A exposição ao estresse térmico gera um conjunto de reações nas bezerras leiteiras, afetando diretamente seu comportamento, consumo de alimentos e desempenho. Em condições de calor extremo, a primeira resposta das bezerras é uma mudança no comportamento. Bezerras saudáveis são fisicamente ativas e em condições de estresse térmico reduzem sua movimentação, mudam de postura e procuram áreas com sombras. Essas mudanças de comportamento são acompanhadas, também, pelo aumento da ingestão de água, um recurso essencial para manutenção da hidratação.

Em um estudo realizado por Quigley (2001) foi observado que em um ambiente com temperatura acima de 35ºC, o consumo de água pelas bezerras da raça Holandesa com idade média de 30 dias subiu de 1,4 L/dia para cerca de 4 L/dia. Isso ocorreu devido à perda adicional de água pela transpiração e respiração. Por isso, é fundamental que desde o nascimento da bezerra seja ofertado acesso contínuo a água limpa e em temperatura e quantidade adequada.

Além de aumentar o consumo de água, o estresse térmico reduz a ingestão de alimentos, impactando negativamente no ganho de peso e no desenvolvimento das bezerras. Bezerras em condições de estresse térmico tendem a ingerir menos sucedâneo e concentrado, apresentando menor ganho médio diário (sucedâneo: 8,600 L/dia; concentrado 0,600 kg/dia e ganho médio diário de 660 g/dia) em comparação aquelas em conforto térmico (sucedâneo: 9,200 L/dia; concentrado 1,400 kg/dia; e ganho médio diário de 0,700 g/dia; Dado-Senn et al., 2020). Esse déficit nutricional ocorre, em parte, devido aos danos na mucosa intestinal causados pela redução do fluxo sanguíneo e pela hipertermia tecidual, o que comprometem a absorção de nutrientes.

Apesar da relevância do tema, poucas pesquisas quantificaram o aumento das exigências nutricionais subjacentes ao estresse térmico por calor em bezerras (Roland et al., 2016). Na ausência de dados mais robustos, o NASEM (2021) adotou a temperatura de 26ºC como o limite superior crítico para bezerras, com base no estudo de Spain and Spiers (1996), que identificaram o início da ofegância a partir dessa temperatura. Acima desses limiares térmicos (26ºC; Tabela 1), as bezerras passam a utilizar uma maior quantidade de energia metabolizável para dissipar o calor, o que eleva sua exigência de energia metabolizável para mantença. No entanto, ao invés das bezerras aumentarem o consumo alimentar para atender a essas demandas, elas tendem a reduzir a ingestão de concentrado e leite (Roland et al., 2016).


Tabela 1. Efeito da temperatura ambiental na exigência energética de uma bezerra de 45 kg de peso vivo corporal.
Efeito da temperatura ambiental na exigência energética de uma bezerra de 45 kg de peso vivo corporal.
Fonte: NASEM (2021)
Para compensar a redução no consumo de leite em situações de estresse térmico, recomenda-se aumentar os sólidos totais da dieta líquida das bezerras (Figura 3) por meio do adensamento do leite com sucedâneo lácteo. Essa prática visa aumentar a concentração de sólidos no leite, atendendo melhor as necessidades nutricionais de crescimento e desenvolvimento das bezerras, especialmente em condições que exigem uma maior densidade energética e nutricional.

Primeiramente, deve-se analisar o teor de sólidos totais no leite. Em média, 1 litro de leite contém 12,5% de sólidos totais, correspondendo a 125g/MS. A análise consiste em avaliar a concentração de sólidos totais no leite, geralmente expressa em porcentagem a partir da mediação do teor de brix com um refratômetro.

Com auxílio de um refratômetro, mede-se o teor de brix do leite a ser ofertada as bezerras. Por exemplo, leite com 10% de brix possui 12% de sólidos totais (Figura 3).

Após identificar o teor de sólidos totais do leite, realiza-se o adensamento da dieta líquida.
Figura 3. Avaliação do teor de sólidos totais (ST) no leite a partir da medição do teor de brix.
 Escore de condição corporal ideal de vacas leiteira, para cada fase.
Durante o estresse térmico, as bezerras precisam de mais energia para manter a homeotermia, e o adensamento contribui para que recebam o suporte adequado sem a necessidade de aumentar o volume de leite ingerido (Figura 4).

O NASEM (2021) recomenda que a dieta de bezerra com alta taxa de alimentação contenha >900g/MS;

Exemplo: uma dieta líquida com 6 litros de leite (12,5% ST) contém 750 g de sólidos (6 x 125g/MS = 750 g de sólidos). Para que a dieta contenha 1000 g/MS, são necessários 8 litros de leite;

Para o adensamento da dieta líquida com 6 litros de leite (12,5% ST): 1000g/MS - 750 g/MS = 250 g de sucedâneo. Ou seja, obtém-se uma dieta líquida com 6 litros de leite, 1000 g/MS e 16,6% ST.
Figura 4. Esquematização do adensamento do leite.
Esquematização do adensamento do leite.
Material retirado e adaptado do Dairy Manager School (ALTA). ST = Sólidos totais.
Além disso, para minimizar o desconforto gerado pelo calor, as bezerras buscam locais frescos para se deitar, preferindo áreas próximas a bebedouros, sombra e locais com boa ventilação. As bezerras tendem a passar mais tempos deitadas lateralmente e menos tempo deitadas em posição esternal (Dado-Senn et al., 2022). Durante as horas mais quentes do dia, as bezerras também gastam mais tempo em pé (88,4%; Kovács et al., 2018) e reduzem as atividades, como dormir, caminhar e brincar (Kamal et al., 2016).

Outro sinal comum de estresse térmico é o aumento da taxa respiratória, que pode ultrapassar 100 respirações por minuto em situações de calor intenso (ITU = 77; Peña et al., 2016). Esse aumento ocorre devido à elevação da temperatura ambiente, que provoca uma subida na temperatura corporal das bezerras, e consequentemente, para perder calor para o ambiente. Durante a respiração, o ar quente do corpo é exalado, e o ar mais frio ou menos úmido do ambiente é inalado, ajudando a dissipar o calor. Além disso, o aumento da frequência respiratória promove a evaporação da umidade presente nas vias respiratórias (principalmente no focinho e na boca), auxiliando no processo de redução da temperatura corporal.
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Influência do alojamento para bezerras

Para alcançar o máximo desempenho e dar oportunidade de bons níveis de bem-estar, as bezerras leiteiras devem ser criadas em ambientes que proporcionem condições de termoneutralidade. O sistema de alojamento desempenha papel importante nesse processo e visa reduzir o efeito do clima adverso sobre os animais.

No Brasil, existem diferentes sistemas de alojamento para bezerras e os mais difundidos estão apresentados na Figura 5. Cada sistema de alojamento tem suas particularidades, vantagens e desvantagens e deve ser pensado para proporcionar melhor conforto para os animais, atendendo as características de cada região. Por exemplo, no sistema de gaiolas suspensas, as mesmas podem ser localizadas em um galpão com ou sem cortinas laterais; as cortinas do galpão, geralmente são confeccionadas com lona (Figura 5A).

Quando o sistema de alojamento das bezerras é localizado ao ar livre, mesmo com a presença de uma área coberta, as bezerras inevitavelmente estarão expostas à radiação solar em determinados períodos do dia (Figura 5C).
Figura 5. Sistemas de alojamento para bezerras leiteiras mais difundidos no Brasil. (A) gaiolas suspensas; (B) casinhas individuais; (C) bezerreiro do modelo argentino.
Sistemas de alojamento para bezerras leiteiras mais difundidos no Brasil.
Fotos retiradas e modificadas do “Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia” (2016).
No sistema de criação de bezerras em gaiolas, a altura do pé direito do galpão é um ponto importante. Preconizar um pé direito de 3 m ou mais permite uma melhor troca de ar no ambiente.

Na Figura 5A é possível observar um pé direito baixo, com telhado próximo aos animais, o que possivelmente em dias quentes (>25 ºC) pode comprometer o conforto térmico das bezerras. Além disso, na Figura 5A, é possível observar as cortinas levantadas, permitindo melhor movimentação do ar. Já no sistema de casinhas individuais é importante preconizar o local onde serão instaladas. Na Figura 5B, é possível observar que a estrutura da instalação não é alta, mas apresenta as laterais abertas, o que permite fluxo de ar e, próximo às bezerras, existe uma área com sombra natural.

A sombra natural apresenta bons resultados no bloqueio da radiação solar e do resfriamento do ambiente em comparação a sombra artificial.

No modelo argentino (Figura 5C), as bezerras são mantidas em áreas abertas. No entanto, este sistema se não planejado adequadamente pode desencadear não só estresse por calor, mas também por frio devido à exposição dos animais as condições climáticas. Para tanto, medidas como estruturas artificiais (por exemplo, no caso da tela de polipropileno, a escolha do material deve possibilitar bloqueio UV de no mínimo 90%, além de espaço de sombra de no mínimo 4 m2/animal), estruturas naturais (exemplo, árvores) e estruturas simples (abrigos) podem auxiliar na proteção das condições climáticas adversas.

Recentemente, a inclusão de ventiladores nos alojamentos para bezerras tem sido questionada pelos pesquisadores. Dados sugerem que utilizar ventiladores com uma velocidade média do vento de 3,0 m/s pode impactar positivamente na redução do estresse térmico em bezerras e aumentar os níveis circulantes de células imunológicas (Dahl; Tao; Laporta, 2020).

Bezerros que sofreram de estresse térmico passam 33,6 minutos por dia a menos deitados, apresentam temperaturas retal (1,1 ºC) (Montevecchio et al., 2022), corporais e cutâneas aumentadas (+0,7 ºC e +1,7 ºC, respectivamente), reduzem o consumo de alimentos e o ganho médio diário em comparação a bezerros com acesso aos ventiladores (Dado-Senn et al., 2020). Além disso, o uso de ventiladores reduz a temperatura média do ambiente (5,2%) e o índice de temperatura e umidade (1,4%) (Montevecchio et al., 2022). Embora o uso de ventiladores para bezerras apresente pontos positivos para reduzir a ação do estresse térmico, mais estudos são necessários para conclusões mais assertivas, principalmente no Brasil.

O manejo correto das bezerras leiteiras sob condições de estresse térmico é essencial para garantir o bem-estar animal e o desempenho futuro do rebanho. Para alcançar esse objetivo, técnicos e produtores devem focar nos seguintes aspectos:
  • Monitoramento do Ambiente
    As bezerras começam a demonstrar sinais de desconforto térmico a partir de temperaturas superiores a 21°C;

    Prover ambientes com boa ventilação, sombreamento (natural ou artificial) e alojamentos adequados pode minimizar os impactos do calor;

    O uso de ventiladores, embora promissor, ainda requer mais estudos, especialmente nas condições tropicais e subtropicais do Brasil;
  • Hidratação e alimentação
    Garantir acesso constante à água limpa e fresca é fundamental para compensar a perda de líquidos por evaporação e respiração.

    Ajustar a dieta líquida, aumentando a densidade energética (teor de sólidos no leite ou sucedâneo), ajuda a suprir as necessidades nutricionais sem aumentar o volume consumido.
  • Comportamento e fisiologia térmica
    Bezerras em estresse térmico tendem a reduzir atividades como brincar e caminhar, buscar sombra e mudar a postura para minimizar o desconforto;

    O aumento da frequência respiratória e da temperatura corporal são sinais críticos de estresse térmico e devem ser observados de perto.
  • Impacto a Longo Prazo
    Experiências de estresse térmico na fase inicial da vida podem comprometer o desenvolvimento e a produtividade futura do rebanho;

    Promover condições de conforto térmico desde o nascimento é um investimento essencial para sistemas de produção mais eficientes.